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Ecopsicologia – um novo olhar sobre a vida

“O nosso desafio é criar uma nova linguagem. Até mesmo um novo sentido do que é ser humano. É transcender não somente as limitações nacionais, mas até o isolamento da nossa espécie, para entrar na comunidade mais ampla de seres vivos. Isso traz um senso de realidade e valor completamente novos.

Thomas Berry

Cada vez são mais investigados e valorizados os benefícios de passar mais tempo na natureza, entre os quais a redução de nossos níveis de estresse, a redução da pressão arterial, a melhoria do funcionamento do sistema imunitário ou o aumento de nossa criatividade. Sabemo-lo por experiência própria. A natureza, seja através de um mergulho no mar, uma caminhada pelo bosque ou simplesmente o contemplar de um por-do-sol, da beleza de uma montanha, regenera. Reequilibra as emoções, traz-nos maior clareza e perspetiva.

Compreendemos isto, na medida em que conhecemos bem o quanto o stress, a poluição ou a vida agitada de uma metrópole nos desgasta e retira, tantas e tantas vezes, de um equilíbrio interno a que ansiamos.

Porém, a Ecopsicologia atravessa o conceito simplista da natureza enquanto benefício e afirma que o nosso sentimento de isolamento e desconexão vem da quebra de relação recíproca para com todos os seres vivos e o ambiente que nos rodeia. Neste sentido, a natureza não seria algo que nos serve, mas aquilo que somos, onde pertencemos e com o qual nos relacionamos reciprocamente. Um olhar atento e transformador para as nossas relações com as paisagens externas, materiais e palpáveis, pode ser tão terapêutico como o olhar atento e transformador sobre as nossas paisagens internas, subjetivas e intangíveis. O que nos isola é o afastamento da experiência total da vida.

“O mundo e eu reciprocamo-nos um ao outro. A paisagem, tal como eu a experimento, dificilmente é um objeto fixo; é um reino ambíguo que responde às minhas emoções e me pede, em troca, sentimentos.”

David Abram

O termo Ecopsicologia surge no final dos anos 80, com um grupo de estudiosos da Universidade de Berkeley, entre os quais Theodore Roszak, cujo livro The Voice of the Earth abre as portas para uma disciplina que propõe uma desconstrução profunda da forma como o Mundo Ocidental vê a vida e se relaciona com ela.

Diz Roszak: “Antigamente, todas as psicologias eram “ecopsicologias”. Aqueles que buscavam curar a alma, tinham como certo que a natureza humana está profundamente enraizada no mundo que partilhamos com animais, vegetais, minerais e todos os poderes invisíveis do cosmos. Assim, como antigamente toda a medicina era entendida como “holística” – uma cura do corpo, da mente e da alma – e não precisava ser identificada como tal, toda a psicoterapia já foi espontaneamente entendida como conectada cosmicamente.”

Na verdade, já grandes nomes das ciências humanas haviam percorrido esta temática. Freud reconhecia a interconexão entre o mundo interno da mente e o mundo externo, afirmando que o sentimento de ego seria um resíduo de um sentimento mais inclusivo correspondente a um vínculo íntimo entre o ego e o seu redor.  Jung, no seu trabalho sobre o inconsciente coletivo, por várias vezes atribui as suas correspondências à própria natureza.

Gregory Bateson, antropólogo, fala-nos de padrões sistémicos e interações que se conectam e descreve como os nossos pensamentos são influenciados pelo ambiente cultural em que vivemos e como influenciam a nossa descrição do ambiente.

James Hillman, fundador da Psicologia Arquetípica, escreve um artigo preambular no livro “Ecopsychology, Restoring the Earth, Healing the Mind”, ao qual chamou “Uma Psique do Tamanho da Terra”, e onde afirma que o interesse exagerado da psicologia no mundo interno do outro é uma negação sistémica do mundo exterior, uma espécie de compensação, e que a psicologia profunda entende que o “eu” tem uma parte de si mergulhada em profundidades fora da consciência e da vontade individuais. Todos estamos emaranhados em tudo o que nos rodeia, numa relação constante, inconsciente e inquebrável.

Pelos olhos destes e de tantos outros investigadores, abre-se um campo que une não só a psicologia à ecologia, mas nos traz sementes da filosofia, do eco-feminismo, da sociologia, da psicologia gestalt e reconhece que a forma como percebemos o mundo exterior e a maneira como ele funciona determina, em grande parte, a forma como vemos o nosso mundo interno. Se fomos criados no mundo ocidental e educados na sua mentalidade científica, tenderemos a ver o Universo como mecanicista, aleatório ou acidental, infinitamente complexo, mas reduzido a componentes e energias finitos e materiais. O paradigma que coloca o homem acima de todo o mundo vivo é o paradigma que o aliena e adoece. Este afastamento do mundo que nos rodeia, o mundo “mais que humano”, nas palavras de alguns ecopsicólogos, isola-nos num conceito impraticável de independência e unicidade, algo não existente no mundo natural. A vida é criada através de sistemas dentro de sistemas, todos conectados e interdependentes uns dos outros.

Esta relação e diálogo antigo não é sobre o nosso bem-estar individual, pois na grande ecologia cósmica a que pertencemos eu e tu não significamos nada mais nem menos que uma larva, uma galáxia, uma pedra ou uma nuvem. E isso não nos retira valor, muito pelo contrário, entrega-nos de volta à Vida.

Sofia Batalha

A ecopsicologia propõe uma ponte que possa restaurar estas ligações recíprocas de cada um de nós com o todo, na verdade, um alargar do meu “eu pessoal” para uma psique inclusiva, “uma psique do tamanho da terra”.  Não é uma tarefa fácil, na medida em que a destruição massiva do mundo a que pertencemos leva-nos a pôr em causa os paradigmas pelos quais vivemos, as nossas noções de conforto e o autoconceito que trazemos sobre quem somos. Resgatar a nossa ligação à experiência total da vida pode tornar-se doloroso e incerto, porém, profundamente sanador e transformador. É aprofundando o nosso senso de lugar no ecossistema que encontramos pertença e conexão.

Assim, a ecopsicologia tem centrado os seus esforços para encontrar alternativas aos paradigmas dominantes. Os estudos sobre comunidades que incorporam formas antigas e mais sábias de viver em comunhão com a natureza, que experienciam estruturas sociais e ambientalmente justas. Mais do que uma filosofia, pretende-se proporcionar às pessoas opções genuínas, não necessariamente completas, mas num esforço conjunto para encontrar um equilíbrio.

Neste contexto, surge um novo campo, a ecoterapia, uma visão terapêutica da ecopsicologia.  Esta visão propõe que, ao alinharmo-nos com o fluxo natural dos sistemas vivos à nossa volta, torna-se possível realinharmo-nos com o fluxo natural do nosso sistema pessoal, pois tudo busca a homeostase. Estas práticas pedem-nos um regresso ao chão do ser, à raiz da vida e das suas leis e processos naturais, o que provoca uma imensa desconstrução: de uma visão que privilegia a separação e a superioridade, para um paradigma de constante e perpétua relação, numa vivencia profundamente interdependente, em sinergia e fluxo constantes, muito para lá da lógica e da linguagem.

Entre muitos outros métodos encontramos a terapia assistida por animais, a terapia de aventura, terapia de agricultura, wild therapy, arte-terapia na natureza, o exercício na natureza, os banhos de floresta, etc.

Também aqui, é importante sairmos da visão antropocêntrica de que a natureza nos serve, e deixarmo-nos mergulhar na ideia de que é a relação que estabelecemos com o mundo natural que cria benefícios para ambos os lados e, nesse sentido, reconectamo-nos com quem verdadeiramente somos. Talvez alguns de nós se preocupem em salvar o planeta, salvar os animais e restaurar a vida. Porém, recordemo-nos que só através de um vínculo real, compassivo, recíproco e sustentável, podemos reparar o que foi quebrado. Somos esse mesmo mundo, o animal, a planta com que nos conectamos. Somos os lugares e as suas estórias, as memórias de cada paisagem e merecemos recuperá-las, na mesma medida em que merecemos resgatar-nos a nós para uma vida de pertença e comunidade.

 

Artigo publicado na Revista Pontos de Vista

ÉLIA GONÇALVES
DIRECÇÃO CRIATIVA E DE PROJECTOS

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