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Olhar as nuvens e contar formigas

“A imaginação é o nosso maior poder no respeita às viagens da alma, pois só ela é capaz de lhe aceder diretamente.”

PRM


 

Quando eu era pequena o meu pai levava-me com ele, ao fim de semana, para uma antiga fábrica onde ele e um amigo construíam, de raiz, um barco à vela. Era o seu hobby e dedicava-lhe o tempo que conseguia e, apesar de não haver rigorosamente nada para fazer ali, eu também ia. Ocupava o tempo a passear pelos corredores escuros e altos, a observar as máquinas antigas e abandonadas e a passar pelas pontes em ferro. De alguma forma, entretinha-me a contar estórias a mim mesma, a fantasiar, a viver naquele cenário industrial todas as aventuras que a imaginação conseguia criar.

Hoje, olho para trás e recordo com nostalgia os momentos da infância que me permitiram passar longas horas sem realizar nada, sem tentar chegar a lado algum, apenas vivendo o momento com os meus recursos internos; sinto-os como horas de grande riqueza, a par daquelas em que mergulhava em longas leituras, imaginando os personagens e cenários por onde ia passando.

Com estas pequenas vivências, às quais ninguém dava grande importância – porque assim era a vida – pude aprender a cultivar a imaginação, essa faculdade da mente humana que nos permite, entre muitas e importantes coisas, criar. Einstein disse um dia que entre a imaginação e o conhecimento, preferia a primeira ao último – era a imaginação que nos permitia abarcar tudo, até aquilo que nos parecia impossível. É a essa capacidade de imaginar – em especial de imaginar o que ainda não existe – que devemos muitos dos nossos atuais avanços civilizacionais.

Hoje, porém, a imaginação aparenta ser o parente pobre da educação e é desvalorizada em relação aos factos e às competências tecnológicas, perfeitos estandartes de inteligência e habilidade. A própria criatividade, palavra que anda de mãos dadas com a imaginação, parece ter sido desvirtuada pela nossa cultura e entrado na categoria dos dons raros, que só bafejam alguns seres especiais ou geniais, e que foge a todos os comuns – “Ah, eu não tenho jeito nenhum para dançar/pintar/cantar…”

Não ter de chegar a lado algum, não ter de ser produtivo e útil, embeber-se de espírito de brincadeira tornou-se quase pecaminoso nesta realidade que construímos e onde cada momento do dia precisa de ser ocupado, as atividades de lazer são planeadas ao minuto e transformam-se em obrigações, e os ecrãs dos nossos smartphones ocupam a totalidade nossa visão. Parar apenas, observar o mundo sem pixéis, religar-se à Natureza, são as formas de cultivar a disponibilidade, o espaço e o tempo que a imaginação requer. Requer uma entrega ao momento, uma atenção aberta e vontade de brincar.

A imaginação brota da mesma fonte inesgotável dos sonhos, daqueles em que nos embrenhamos à noite ou daqueles que temos para a vida. Como dizia António Gedeão, são os sonhos (essa imaginação), que fazem o mundo pular e avançar. Sem a capacidade de imaginar, perdemos a capacidade de sonhar, e em última análise, de criar. A imaginação recorre a esse imenso acervo interno a que chamamos imaginário, uma biblioteca infinita, em grande parte imersa no nosso inconsciente e que nos traz a riqueza, as formas e as cores do nosso mundo interno.

Carl Jung dizia que era necessário viver os nossos símbolos e contar as nossas estórias, para nos sentirmos verdadeiramente vivos. Talvez seja novamente altura de trazermos às nossas vidas momentos sem tempo, onde nos permitimos estar apenas a olhar as nuvens ou a contar as formigas nos carreiros. Momentos de total abertura à nossa imaginação, onde podemos dançar ou pintar, escrever ou contemplar o pôr do sol. Momentos sem agenda, sem lembretes, sem objetivo nem utilidade.

A imaginação é o nosso maior poder no respeita às viagens da alma, pois só ela é capaz de lhe aceder diretamente.

 

 

PATRICIA ROSA-MENDES
TERAPIA TRANSPESSOAL – ESCOLA DE DESENVOLVIMENTO TRANSPESSOAL