Blogue

Entre | Linhas | Entrevista com Cátia Pinto

“Não digais «Encontrei o caminho da alma». Dizei antes «Encontrei a alma percorrendo o meu caminho». Pois a alma anda sobre todos os caminhos. A alma não anda sobre uma linha, nem cresce como uma cana. A alma desdobra-se, como um lótus, em inúmeras pétalas.”

Khalil Gibran


Usando apenas 10 palavras, descreve-te a ti mesma.

Entusiasta; otimista; emotiva; curiosa; sedenta; ambivalente; racional; exigente; descomedida; altruísta.

Em que é que confias?

Confio no potencial ilimitado do Ser Humano. Na capacidade para aprender, crescer, reinventar e se superar a cada instante. Confio no valor dos afetos, no poder das ações e das palavras. Confio na força que reside na união. Confio no tempo. Na pausa entre a semente e a flor, no fio que lentamente vai tecendo o apaziguamento e bordando horizontes novos.

O que te comove?

Todas as histórias de vida, reais ou fictícias, que traçam uma linha reta e direta ao coração, evocando o amor, a bondade, a coragem e superação. Momentos simples do dia-dia onde o potencial da beleza humana se revela e eu tenho o fortúnio de o contemplar ou vivenciar na primeira pessoa. A experiência da simplicidade, que envolve para mim um caso sério de encantamento com a natureza.

Qual o teu maior desafio, aquele que te tem acompanhado ao longo do tempo?

Identifico alguns… E este é, desde logo, um dos grandes desafios: escolher algo em detrimento de outro algo. Isto ressoa-me sempre a muito definitivo e redutor (ou não fosse eu um signo de ar…), o que me cria muitas dificuldades, hesitações e morosidade no processo de escolha e tomada de decisão. Tenho geralmente o ímpeto de querer abraçar todas as possibilidades, pois sinto-me sempre, por um ou outro motivo, entusiasmada e impelida em todas as direções. Acabo depois por conviver tranquila com a decisão sem olhar para trás, mas não invalida que esta dificuldade inicial se assuma muitas vezes como um grande mecanismo de auto-sabotagem.

De que é que não nos podemos esquecer na Vida?

Que a vida é um sopro, e o presente é o único momento certo que existe. Que a felicidade não está dependente das circunstâncias externas nem são estas que nos definem, mas o “desde onde” e “desde como” nos relacionamos com as mesmas. Que somos partes integrantes e interdependentes de um Todo, tais como as cordas de um instrumento musical. A tensão que escolhemos aplicar a uma corda afeta a sonoridade das restantes; e diferentes tensões e sonoridades entre as várias cordas afetam o equilíbrio do instrumento como um todo. O mesmo acontece com a nossa pegada no mundo, a forma como escolhemos viver tem impacto sobre o coletivo. Sejamos então conscientes da nossa melodia, aqui e agora, para um “mundo afinado”.

Quais os dons e vocações aos quais te costumam associar?

Capacidade de escutar e apoiar o outro, comunicação, versatilidade, criatividade, diversão e espontaneidade. As pessoas associam-me geralmente às áreas do acompanhamento, da comunicação e das artes.

Hoje, fazer algo com coragem seria…

Começar por saltar os muros do medo que mantêm enclausurada a confiança em relação a alguns dos meus (presumíveis) talentos. Resgatar essa fé, libertando-a do policiamento das crenças limitadoras e dos grilhões dos meus padrões repetitivos de autossabotagem. Depois, prosseguir “dentro” e indagar sonho a sonho, até encontrar neles a vibração que abre caminho. Dar-lhes forma e visibilidade, torná-los reais. Ousar colocar o pé com a mesma ousadia que trilho outros solos da vida. E permitir-me falhar ao longo do caminho, com amor.

A vulnerabilidade permite-me…

Ser autêntica, inteira. Alinhar o que penso, sinto e expresso. Ser coerente comigo e com quem me rodeia. Resgatar parte da minha força adormecida, e que emana dessa coragem em desnudar-me e expor as minhas fragilidades perante os outros sem “rede”. Aprimorar a minha arte de suster e soltar o que me fere a cada novo mergulho em apneia até às profundezas, ao encontro do que me pede para ser visto e compreendido.

A maioria das pessoas é boa. Descreve um evento onde isto tenha sido verdade.

Grandes momentos da história da Humanidade têm sido palco dessa bondade humana que emerge no seio do caos e em torno de sentimentos de desesperança. Sinto que o momento que vivemos atualmente [pandemia] é um exemplo disso, sendo muitos os anónimos movidos pelo propósito generoso de “estar ao serviço” dos outros. Inclusive, alguns deles, esvaziando-se de si mesmos num esforço desmedido para atender ao outro.

Se tivesses de escrever um livro, escreverias sobre quê?

Crónicas de uma jornada. A criança e o adulto, duas asas que se descobrem pássaro inteiro. Os encontros e desencontros. Os lugares férteis e estéreis ao longo da travessia. Os estados de Alma, cheios e vazios. Os ensaios e os voos inaugurais.

Se pudesses resolver um grande problema no mundo, qual seria?

O problema da violência, em todas as suas manifestações e dimensões. Dispondo dessa “concessão mágica”, não hesitaria em abolir este comportamento do chip de programação e funcionamento do Ser Humano. Acrescentaria ainda um circuito de ativação automática de gestão emocional para prevenir “falhas no sistema” (sendo o Homem muito criativo na adversidade, poderia facilmente encontrar outras formas de expressão nocivas). Assim, converteria todos em “Gestores Emocionais de Excelência”, hábeis na resolução de todos os problemas derivados da dificuldade em gerir emoções.

A minha forma preferida de passar o dia é…

Fazer-me à estrada, com ou sem destino, sem pressas de chegar ou regressar, e deixar-me surpreender pela imprevisibilidade do momento. Explorar novos lugares, conhecer novas pessoas, desfrutar de novas experiências…. Sempre, ou quase sempre, nesse lugar a dois onde mora o coração. Reunir a família em torno da fogueira dos afetos. Fruir do “dolce far niente”, entre atividades como jardinagem, bricolage, caminhadas na natureza, dança, ver filmes e séries…

 

ENTREVISTA A CÁTIA PINTO
TUTORA/FORMADORA ÁREA CONSULTORIA MINDFULNESS