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Como encher um copo cheio?

Como encher um copo cheio?

As mudanças envolvem sempre algum tipo de perda e isso é o que mais receamos pois, sair da zona de conforto, abdicar do conhecido e mergulhar no desconhecido, por muito que se antecipe como positivo, cria resistências. Tememos perder os velhos hábitos que já não nos servem, como um par de sapatos gastos e rotos, que se adaptaram ao nosso pé e ao nosso andar, sendo confortáveis porque conhecidos.

UM CONTO ZEN
Conta-se que um dia um noviço se apresentou num mosteiro para receber os ensinamentos de um sábio e velho mestre.
Um dos discípulos do mestre disse-lhe:
– Primeiro terás que encontrar a resposta a uma pergunta. Se o conseguires, o mestre aceitar-te-á como aluno dentro de três anos.
A pergunta foi feita e o aluno esforçou-se bastante até encontrar a resposta. 
– A tua resposta está certa. Agora podes ir embora e esperar que passem mil e um dias; apenas nessa altura poderás voltar aqui para receber os ensinamentos. 
O noviço ficou encantado e, após agradecer, lembrou-se de perguntar…
– Que teria acontecido se eu não tivesse encontrado a resposta correta?
– Ah! Nesse caso, ter-te-ia deixado entrar no mesmo instante!
Armadilha por parte do discípulo? Não… o que acontece é que é importante termos em conta que, para podermos interiorizar novas aprendizagens, temos que começar por desaprender o que foi anteriormente aprendido, ou seja, para se encher um copo, este tem que estar vazio.
O VIVER EM PILOTO AUTOMÁTICO
“Somos animais de hábitos” os quais repetimos insistentemente, dia após dia, de uma forma automática, sem passar pela bitola do pensamento. Na sua maioria adaptativos, como o tomar banho ou conduzir, outros há que são prejudiciais, como fumar ou fazer uma alimentação hipercalórica. Já no nosso mundo interior, todo um conjunto de pensamentos, emoções e crenças constituem a família dos hábitos emocionais, que também conformam um padrão.
Hábitos e crenças dão-nos uma sensação de continuidade e segurança, uma zona de conforto na qual nos colocamos e confiamos… e que, ingenuamente, acreditamos controlar. Adquiridos, com raízes no modelo familiar e socioeducativo no qual nascemos e nos fomos desenvolvendo, se foram aprendidos…podem ser desaprendidos, caso nos prejudiquem o viver. Esta é a boa notícia a ter em conta, apesar do medo, da desmotivação e da falta de confiança e de auto-estima nos sussurrarem amiúde ao ouvido: “É impossível mudar… Sou assim desde que me conheço… Foi assim que me ensinaram… O quê? Deixar de fumar!?… Não tenho tempo para parar!”
APRENDER A DESAPRENDER… PARA REAPRENDER
Para além de aprender necessitamos de desaprender, tornando-nos independentes de conceitos ou ideias que se inculcaram na nossa vida mas que, com o passar do tempo, se tornaram obsoletos. Aprender e desaprender são, assim, as duas faces de uma mesma moeda, chamada “evolução”. Não é um jogo de palavras e sim uma filosofia de vida, pois aprendemos quando desaprendemos e desaprendemos quando aprendemos. Mudar e, em consequência, evoluir, decorrem de uma dança entre aprender e desaprender, quando deixamos de fazer o mesmo, da mesma forma, e nos permitimos explorar possibilidades distintas do pensar e fazer. A vida apenas continua para aqueles que aprendem, desaprendem, se adaptam ao novo, mudam e evoluem… os restantes “extinguem-se”.
É muito difícil aprender algo novo quando pretendemos ter sempre razão e saber tudo em tempos de mutação constante. É mais fácil aprender algo novo quando nos permitimos errar e disso não temos receio.
E como? Através da repetição, pois são necessários movimentos iguais, repetidos no tempo, para que se criem novos circuitos neurológicos que estabilizem e automatizem uma nova crença ou comportamento, agora mais conscientes.
Desaprender é, portanto,  mudar e evoluir, deixando para trás tudo aquilo que já não nos é útil nem nos serve. É soltar carga inútil, é esquecer conceitos desatualizados, eliminar crenças e medos que não nos beneficiam, é voltar a novas ideias, valores ou atitudes para seguir em frente. É treinar o desapego, recriar a realidade e dar início a um autêntico desafio e aventura.
SAIR DA ZONA DE CONFORTO
Apesar de agirmos amiúde sem parar para sentir e pensar, um dia, podemos começar a fazer diferente, permitindo-nos um espaço de reflexão: “Porque penso, faço ou digo isto? Para quê?”.
Em seguida, e aproveitando esse novo espaço de abertura e expansão mental e da consciência, talvez possamos atrever-nos a decidir mudar eventuais crenças e comportamentos, “velhos conhecidos” que, eventualmente, nunca pensámos vir a colocar em causa mas que, aqui e ali, nos começam a parecer “ultrapassados ou fora de prazo”.
Tendo nós essa extraordinária capacidade de observar e de nos darmos conta, de analisar e compreender, porque não utilizá-la mais vezes, e iniciar assim uma grande aventura: a saída da zona de conforto!

 

LUZES E SOMBRAS DO DESAPRENDER 
O processo desta aprendizagem transformadora é complicado, difícil. Implica uma análise pessoal e isso cria resistências, uma vez que questiona quem somos e como fazemos as coisas, e requer a revisão crítica dos nossos paradigmas ou mapas mentais; é por essa razão que aprender ou reaprender implica um custo, sobretudo quando é sobre nós. Esse custo, e a consequente resistência, devem-se ao facto de existir uma sensação de “perda” que dá lugar à resistência, ao evitamento da mudança, ao receio de sair dessa zona de conforto que, aparentemente protege, mas também estagna o viver.
A ideia de mudar pode ser bastante atraente, porém acontece muitas vezes que após um entusiasmo inicial há uma rendição e uma desistência ou adiamento do processo, o que remete para sentimentos de fracasso. Sabemos que mudar apenas depende de nós, mas por vezes não conseguimos encontrar essa força, essa magia que nos impulsione a não nos afastarmos do nosso propósito.
Nesta dinâmica evolutiva, a pior das amarras é o medo, essa emoção que faz parte do nosso cérebro mais antigo e que, nos primórdios da vida na terra, e ainda hoje, serve de mecanismo de sobrevivência. Porém, mal está quando nos apegamos a ele como a única bússola e ficamos parados no tempo, por ele paralisados. O medo de pensar diferente e ser mal interpretado ou trair ensinamentos familiares… o medo de agir e ser rejeitado… o medo da vergonha ou do arrependimento Num mundo em constante mutação, os dogmas aos quais nos agarramos como a única boia de salvamento face ao desconhecido do crescimento, evitam a mudança de opinião, de mentalidade e de hábitos e impedem a adaptação do organismo.
Poderemos realmente mudar as nossas vidas? Claro que sim, mas o sucesso dessa mudança das metas que nos propusemos depende do quanto conhecemos as nossas forças e debilidades. É importante estarmos atentos ao que sentimos, uma vez que as emoções são um guia muito útil nesta demanda.
Se a mudança é tão desejada, porque razão falhamos então tantas vezes os nossos objetivos? Na verdade, existe um ingrediente essencial para dar início e manter a continuidade deste maravilhoso processo alquímico, sem o qual tudo se pode desmoronar: a força de vontade, a persistência, essa paixão de fogo que ilumina e impulsiona. Esse amor que sentimos por nós mesmos. Esse sentir que merecemos o melhor. Com esta chama… consegue-se!

 

 

 


Lúcia Costa Soares
Tutora
Terapeuta Transpessoal
Consultora em Mindfulness